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quarta-feira, fevereiro 23, 2005

O Contra-Senso da Fé Racional 

Nos últimos meses passei por um doloroso processo de revisão de conceitos, que ainda não sei se terminou. Precisei me adaptar para continuar vivo como cristão. Todos que professam o cristianismo e possuem inquietantes questões filosóficas passam por esse tipo de crise, uma vez que a doutrina de Jesus não é uma religião de filosofia, mas sim de fé. Isso não significa que Jesus não tinha condições intelectuais de nos fornecer um rico debate filosófico, e de fato deixou, por um outro ponto de vista, mas ele tinha uma razão muito nobre para não fazê-lo, razão essa que fica clara pela frase: “aos pobres é anunciado o Reino de Deus”. Jesus tinha o objetivo de tornar seu ensinamento de fácil acesso para todas as castas sociais.
Desde minha conversão li autores como Josh Macdowell, Charles Colson, John Deree e outros cristãos que defendem uma “fé racional” comprovável e cientificamente evidenciável. Esta área da teologia se chama “apologética”. Embarquei nessa onda por vários anos acreditando inocentemente que possuía todas as respostas do Universo. Mas ao participar de um fórum virtual sobre evolucionismo e criacionismo, tive a sensação de bater de frente contra um muro de concreto, me deparando com argumentos firmes, respaldados e comprovados contra os argumentos científicos dos cristãos que não passavam de suposições, analogias e especulações. Depois de muito questionar como eu poderia continuar crendo no cristianismo diante disso, me lembrei do texto de Hebreus que diz: “É pela fé que sabemos que o mundo foi criado por Deus e tudo que existe não foi feito da forma como aparenta”. A Bíblia estava exigindo de mim fé, e não estava me fornecendo subsídios para isso. Aliás, eis o ponto principal: se existem evidências, não existe espaço para a fé. Ela só pode se manifestar em vácuos onde pode existir também a dúvida. Fé significa crer sem ver. Tomé não acreditava que Jesus havia ressuscitado, só creu depois de tocar em suas feridas. Jesus disse a Tomé: “Você acredita porque viu. Feliz é quem crê sem ter visto”. Não houve fé alguma da parte de Tomé, uma vez que ele estava diante do Cristo ressurreto tocando em suas feridas. Era obrigação dele acreditar. Mas para mim, dois mil anos depois, em plena era da internet, projeto Genoma, pós-modernismo e globalização, é preciso muita fé para acreditar que ele ressuscitou. Por isso minha fé tem muito mais valor para Deus.
O livro de Jó conta a história de um homem inocente que sofreu grandes desgraças. Na companhia de seus amigos, ele questiona inúmeros pontos interessantes acerca da sabedoria, soberania e justiça de Deus. São perguntas que eu me faço às vezes. São 38 capítulos consecutivos de perguntas para, finalmente, nos capítulos 39 e 40 Deus se manifestar. Se você nunca leu o livro deve estar imaginando que em frases sucintas e cheias de sabedoria Deus respondeu cada uma das perguntas de Jó. Ledo engano. Deus explode numa manifestação de poder e pergunta a Jó se ele está em condições para um debate, fazendo perguntas simples acerca da natureza que o deixam atônito. Logo Jó está com as mãos sobre a boca sem ousar pronunciar uma palavra. A lição que eu tiro dessa história é que não são questões filosóficas que vão nos levar ao conhecimento de Deus. Ele nos dá o direito de perguntar, questionar e debater, mas não vai responder todas as nossas perguntas porque deseja que tenhamos fé. Você não pediu um exame de DNA a seus pais para comprovar que é filho deles, mas simplesmente acredita no amor que eles te dão. É esse tipo de confiança que Deus quer de nós. Não é com base nas evidências, mas com base na fé.
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