sábado, maio 28, 2005
Um Contra Um e Todos Contra Todos
Acredito que não exista setor da sociedade mais dividido que o evangélico. Somos uma grande colcha de retalhos de denominações, correntes, costumes e lideranças. Sob a mesma bandeira encontram-se mulheres que comandam programas eróticos na TV e homens que entram na piscina de calça e camisa; pessoas que acreditam que o mundo foi criado em sete dias literais e pessoas que acreditam que Deus usou a evolução das espécies; gente que defende a pena de morte e gente que cria instituições de ajuda aos presidiários; teólogos que defendem a predestinação e teólogos que defendem o livre arbítrio; cristãos que dirigem ONGs pró-vida e cristãos que defendem o direito ao aborto; pastores que afirmam que os dons do Espírito cessaram no tempo apostólico e pastores que sopram esses mesmos dons sobre as multidões. Sem contar as subcategorias que nos colocam na prateleira certa: pré-tribulacionista, amilenarista, cessacionalista, conservador, neopentecostal, arminiano etc.
Um ambiente tão fragmentado como esse desenvolveu em nós o curioso prazer de reclamar uns dos outros. Parece que junto de nossas glândulas salivares desenvolveu-se uma outra glândula que secreta garganta acima uma viscosa substância que nos instiga a falar mal de outros cristãos. Os conservadores reclamam que os liberais não tem compromisso com a Palavra, enquanto os liberais acusam os conservadores de opressão e legalismo. Os tradicionais dizem que os pentecostais beiram o candomblé em suas práticas. Os pentecostais por sua vez, dizem que os tradicionais são folhas secas insensíveis ao Espírito Santo. As denominações históricas criticam a falta de organização das igrejas jovens, enquanto estas criticam a lentidão burocrática das igrejas centenárias. Imagino Deus no meio olhando para tudo isso, tentando agradar a ambos os lados. Deve ser difícil chefiar uma família tão grande e tão desunida. Mas esta atitude corporativa é observada também, e com mais clareza, individualmente, e pude observá-la em mim. É incrível como consigo encontrar motivos para reclamar, criticar e atirar pedras em qualquer iniciativa cristã que encontro pela frente, com exceção daquelas comandadas por pessoas ou instituições que se encontram dentro do meu círculo de confiança. As denominações que não seguem exatamente minha corrente teológica são vistas como pobres coitadas que simplismente não prestam atenção naquela meia dúzia de versículos que "provam" minha teoria. Se uma denominação da qual não gosto distribuir um milhão de cestas básicas aos pobres, digo que estão tentando se promover. Mas se uma instituição na qual confio distribuir meia dúzia de cobertores eu considero um avanço incrível para o Reino de Deus. Tem algo errado aí...
O maior perigo desse irresistível hábito de reclamar está no efeito que isso causa em nossa alma. Me lembro de quando era recém-convertido e que tudo era muito novo para mim. Sempre que avistava alguém com a Bíblia debaixo do braço sentia uma grande alegria e eu saudava tal pessoa efusivamente, não importando de que denominação fosse. Quando descobria que algum colega de escola era crente, procurava me aproximar dele e o tratava como se fosse um amigo de infância. Ao encontrar um programa evangélico na TV eu simplesmente sentava e assistia. Todo domingo, um pregador subia ao púlpito e me alegrava com sua pregação, não importava sobre o que fosse, pois eu sempre saía flutuando da igreja. Todas essas atitudes são características de infância espiritual. E assim como na vida biológica, a infância pode ser a melhor fase de um ser humano. Jesus nos disse que se não formos como elas nunca entraremos no Reino dos Céus. Mas conforme o tempo passou, eu fui estudando a Bìblia e ganhando conhecimento. O apóstolo Paulo diz que o conhecimento incha e que o amor edifica. E é isso que acontece com a maioria dos cristãos. Meu primeiro sintoma de amadurecimento foi rejeitar algumas pregações sensacionalistas que só serviam para massagear o ego dos ouvintes, cujo ápice sempre era: "Deus vai te dar vitória". Depois comecei a rejeitar o que era pregado nos programas evangélicos de TV que prometiam coisas que a Bíblia não promete, como prosperidade financeira e saúde inabalável. Daí percebi que algumas denominações se sustentavam em cima dessa mensagem e as rejeitei. Então percebi que muitas pessoas na minha igreja só consideravam santa uma pessoa que se portasse, falasse, pregasse, vestisse e cantasse de uma determinada forma, uma espécie de formatação santa. Entendi que estabeler regras ou costumes para ser salvo é uma aniquilação da graça. Então rejeitei essas pessoas. Depois enxerguei como a organização institucional chamada "igreja" fugiu propósitos iniciais que Deus projetou. Os dispenseiros da graça que seriam conhecidos pelo amor se tornaram chatos moralizantes corporativistas e egocêntricos. Ao chegar nesse ponto pude sentir claramente o cansaço que se instalou em minha alma. Olhava ao redor e só via o caos.
Muitas pessoas começaram sua vida cristã com energia e vitalidade, mas hoje se encontram cansadas por olhar ao redor e não encontrar alguém em quem se espelhar. Não vou ficar aqui enumerando as diferenças entre igreja institucional(local) e igreja mística (universal), pois acredito que qualquer cristão comum já está cansado de ouvir falar sobre isso. Mas que tal cantarmos uma música diferente? E se as pessoas de fora nos olhassem e vissem um setor social unido, que apesar das diferenças e discordâncias se ama, se ajuda e se respeita? Não foi isso que nosso Cristo disse: "Vocês serão reconhecidos pelo amor com que amam uns aos outros"? E se antes de levantar a sombrancelha e franzir a testa para outro cristão eu abrisse o coração, como uma criança, e pensasse: "Tem um irmão meu ali que está se esforçando em fazer algo pelo Reino. Será que ele precisa da minha ajuda"? Eu sei que é ingenuidade achar que todos os cristãos um dia vão agir assim. Mas se você, e só você, mudasse de atitude, meu coração sentiria um grande alívio por saber que a verdadeira mensagem de Cristo foi compreendida por mais um de Seus discípulos.